segunda-feira, 27 de agosto de 2012

ETERNO ARMSTRONG

Lance Amstrong conquistou por direito um lugar na história do ciclismo. O que torna o desporto único é que não há lugar para patos bravos tens de provar a competir o que consegues fazer e onde consegues chegar. Quando alguém quer através da secretaria retirar o protagonismo ao personagem que o conquistou por direito, algo de errado se passa, quando a arbitrariedade e a lei do faroeste fazem o seu caminho devemos questionar-nos. Infelizmente a nossa imprensa uma vez mais seguiu o caminho mais fácil, o da desinformação e do mediatismo barato sem se dar ao trabalho de fazer o seu trabalho de casa. Meus amigos convido-vos a lerem este texto, talvez ajude muitos a fazerem as perguntas certas.
Felizmente penso que o homem não se irá deixar uma vez mais enterrar, e espero um dia ainda o ver a competir em Kailua-kona.
Texto retirado do blog Carro vassoura

O texto a seguir apresentado é da autoria de Diogo Martins, licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. A mim, Rui Quinta, autor habitual do Carro Vassoura, resta-me agradecer ao mesmo e sugerir aos visitantes do blog a leitura do mesmo. Apesar de extenso, vale a pena.
Nota prévia: Ao longo deste artigo não é tomada qualquer posição quer contra quer favor Lance Armstrong. Na realidade, no âmbito deste artigo, é absolutamente indiferente se Armstrong se dopou ou não; apenas relevam as questões processuais e judiciais relacionadas com o ciclista nos últimos dois anos.
A decisão tomada por Lance Armstrong esta passada quinta-feira, dia 23 de Agosto, não é, como alguns sugerem, um reconhecimento da prática de dopagem ou uma verdadeira desistência do processo, antes o ciclista norte-americano partiu para uma segura e inteligente estratégia processual. As acusações que pairavam sobre Lance Armstrong são antigas, mas quase sempre concentradas em França. Contudo, nos últimos dois anos, todas as discussões jurídicas foram para o local onde a imagem de Armstrong era incólume e icónica - os Estados Unidos.
Vale a pena rever e compreender todos os passos jurídicos que ocorreram desde 2010 neste país.
I – Lance Armstrong vs FDA Em Maio de 2010, Floyd Landis, depois de anos a lutar e a jurar inocência no seu próprio caso de doping, admitiu a sua culpa e implicou directamente Lance Armstrong e Johan Bruyneel como os elementos que o levaram a recorrer sistematicamente ao doping. Mais, a estas acusações juntaram-se ainda outras mais graves, incluindo subornos de Armstrong à UCI para esconder controlos positivos e todo um esquema corrupto favorecendo a US Postal. Landis apareceu na opinião pública e perante as autoridades a desmascarar aquilo que seria uma conspiração considerável. Face a essas acusações, foi aberto um procedimento criminal por autoridades federais, não desportivas, nomeadamente a Food and Drug Administration.
 O objectivo deste processo e o interesse das autoridades policiais era, mais do que verificar a dopagem ou não de Armstrong, fazer uma análise profunda para aferir a existência de um esquema de dopagem dentro da US Postal, o que envolveria a prática de mais crimes, nomeadamente o tráfico de substâncias ilegais, fraude, corrupção, tráfico de influências, entre outros; um pouco à semelhança do famoso caso do laboratório BALCO.
Era um processo de cariz criminal, de interesse público, sujeito a penas de prisão. O modelo processual penal americano é francamente diferente do português. Em Portugal o Ministério Público visa apenas apurar a verdade, não havendo verdadeiramente um processo de partes (A vs B). Assim, em Portugal, o MP pode sempre colocar-se a favor do arguido em qualquer momento do processo. Diferentemente, o modelo americano é verdadeiramente um modelo de partes, em que as entidades públicas investigam e montam casos numa perspectiva directa de oposição ao arguido, muitas vezes assumindo posturas agressivas ao acusado.
 Isso explica a típica exteriorização, em filmes e séries, dos procuradores norte-americanos muitas vezes como “vilões”, indiferentes à verdade material, obcecados com condenações radicais. Contudo, em ambos os casos, recai sobre MP e a Procuradoria Norte-Americana investigar e provar a culpa dos arguidos, quando a há. Após a abertura deste processo criminal, seguiu-se uma longa novela, com Bruyneel, Popovych, Ekimov, o ex-presidende da UCI Verbruggen, o actual presidente McQuaid e muitos outros a colocarem-se do lado de Armstrong; enquanto que a FDA se baseou em testemunhos de alguns ex-ciclistas bem conhecidos com Landis e Hamilton.
 O testemunho é a única prova admissível para doping em casos de dopagem sem controlos positivos. Quase dois anos passados, o processo acabou arquivado sem chegar a um julgamento propriamente dito, pela insuficiência da acusação de ter provado o esquema de doping concertado da US Postal. A FDA chegou à conclusão que não tinha recolhido provas suficientemente credíveis como inicialmente pensava e, posto isto, o processo morreu por ali.

II – Lance Armstrong vs USADA Posto isto, veio imediatamente, em Junho deste ano, a USADA abrir ela própria processo contra Armstrong. A USADA é a Agência Americana de Anti-Dopagem e aqui o objectivo era outro - procurava-se aferir exactamente se haveria ou não dopagem; se Armstrong e as demais sete pessoas contra as quais foi aberto procedimento tinham praticado alguma violação desportiva… e não provar a prática de algum crime, nos termos descritos acima e que era o interesse da FDA. Falamos assim de processos diferentes e objectivos diferentes por parte da FDA e por parte da USADA. Isso não implica contudo que os processos sejam absolutamente autónomos um do outro, visto que a USADA aproveitou prova produzida contra Armstrong no processo da FDA e noutros processos relevantes para ela própria abrir o respectivo processo de dopagem. Novamente, as consequências são diferentes: se no processo da FDA poderíamos falar em penas de prisão, aqui as consequências são iminentemente desportivas, dadas as competências da USADA – o que gerou a suspensão provisória de Lance Armstrong. Podemos comparar com o que aconteceu em Portugal: o Póvoa Cycling Club foi alvo de um processo criminal, investigada pela PJ e acusada pelo MP que levou a uma decisão de mérito do Tribunal; por sua vez, em sede de processo distinto, no que se trata da questão disciplinar, os seus ciclistas foram alvo de suspensões pela FPC e ADoP.
O processo entre a USADA e Armstrong tem sido extremamente agressivo, explicável pela mentalidade do referido modelo de partes utilizado nos Estados Unidos, mas muitas vezes inexplicável face aos princípios gerais de Direito e foi precisamente por isso que desde cedo surgiram muitas dúvidas sobre a legalidade dos procedimentos da USADA. O processo da USADA foi feito contra várias pessoas, entre eles alguns médicos como José Marti, Michelle Ferrari e Garcia del Moral que preferiram, por diversos motivos, nem sequer responderam ao organismo, sendo imediatamente irradiados. Mas Armstrong, num primeiro momento, decidiu não responder à USADA em sede de decisor arbitral, mas promover uma providência cautelar, no tribunal federal, tentando bloquear a investigação. Daí que, num primeiro momento, não tenha tido o mesmo destino que os referidos médicos, pese, na prática, ter feito o mesmo que eles – abster-se de responder à USADA.
Os argumentos da equipa de advogados de Lance Armstrong partem, desde logo, pelo facto de a USADA adoptar práticas processuais agressivas condicionantes de um julgamento injusto, violando um direito constitucionalmente consagrado. Muito discutido foi, desde logo, o facto da associação anti-dopagem não revelar ao atleta toda a prova que foi adquirida contra ele, mantendo assim “cartas na manga”. De facto, de um ponto de vista penal, apenas a Inquisição condenava pessoas sem lhes dizer por quem e porquê eram acusadas; hoje em dia os processos têm de estar disponíveis para o arguido se poder defender e não ter “surpresas” em tribunal, podendo, por exemplo, um processo cair se a procuradoria norte-americana esconder deliberadamente provas favoráveis ao arguido, independentemente se é culpado ou não. Contudo, aqui não é um procedimento penal como o foi na FDA, mas administrativo, e aí segue-se as regras da própria USADA e da WADA, organismo internacional anti-dopagem. No protocolo 11 do regulamento da USADA, indica-se que esta pode não dar a conhecer ao atleta informação que a USADA não considere apropriadas para o desfecho do caso e a defesa do atleta. A norma é relativamente ampla e dá bastante poder ao organismo, contudo, indica que a informação que se considerar relevante para o atleta deve ser enviada, simultaneamente, a um “Review Board” - um corpo de árbitros independentes da USADA que aferem da suficiência probatória do procedimento, num primeiro nível de controlo do próprio organismo. E esse organismo deu luz verde à USADA.
Mas é aqui que surge também o primeiro problema: não o facto da USADA não ter dado a informação toda que os advogados de Armstrong pretendiam ter (independentemente da justiça e lealdade da decisão, mas eles são livres de decidir), mas a questão de a USADA ter submetido provas da investigação ao Review Board e não o ter feito também com Armstrong – o que, isso sim, viola o regime da própria instituição anti-dopagem. Como tal, num momento posterior, em sede de discussão arbitral, a defesa iria defender-se do que sabia pelos media… e sabe-se lá do quê mais. O outro argumento de Lance Armstrong é o facto de, conforme o artigo 17º do Código da WADA (que transmite as regras gerais dos procedimentos de dopagem) haver uma limitação das suspensões desportivas a factos praticadas nos últimos 8 anos. É um regime como o da prescrição, que funciona em Portugal em todas as jurisdições, quer civis, quer penais, com uma razão de ser perfeitamente óbvia, pelo facto de ser necessário certos factos serem consolidados no tempo – é impensável alguém com 70 anos ser condenado por uma dívida que contraiu há 50 anos; ou ser condenado por um roubo que fez há 30.
 O princípio de segurança jurídica, central no ordenamento jurídico, tem paralelismo lógico no desporto - é no mínimo exótico retirar vitórias de um ciclista ganhas, literalmente, no século passado. Apesar de tudo, há precedentes no sistema norte-americano (um sistema muito mais baseado na prática dos tribunais do que na lei propriamente dita) para ser ignorada o artigo que limita a condenação a práticas desportivas aos últimos oito anos. Mas, verdade seja dita, parece extremamente inverosímil que a USADA o conseguisse nos termos desses precedentes: era preciso provar, por exemplo, que houve perjúrio de Armstrong anteriormente (como no caso do maratonista Eddy Hellebuyk) ou que todo o esquema de dopagem foi deliberadamente escondido dos olhos da USADA, tornando impossível a esta conseguir, dentro do prazo legal, interpor a acção contra Armstrong. Ambos os casos são quase impossíveis de provar – era preciso provar que era culpado e que a USADA nada pôde fazer em 14 anos. Mais acessível seria uma última hipótese: provar que houve uma prática de dopagem continuada e reiterada entre 1998 e 2010.
 Contudo, era necessário avaliar que todos os supostos actos de doping de Armstrong seriam um único evento, ou melhor, houve um “crime” manifestamente continuado (como se fosse um sequestro) e não uma série de crimes (como seja 10 roubos em 10 dias que, mesmo que feitos pela mesma pessoa, não assumem um carácter de continuidade). Também é complicado afirmar categoricamente isto, como é fácil de imaginar, não houve uma continuidade absoluta entre as equipas US Postal, Discovery Channel, Astana e Radioshack. Este é o aspecto prático provavelmente mais patético de toda esta história: a forma como, com uma única decisão feita quase à revelia, só porque Lance Armstrong optou por não se defender da USADA, se apaga literalmente milhares de corridas – etapas, clássicas, classificações do pontos, da montanha, classificações gerais, mundiais e até, espante-se, a medalha olímpica de 2000… Quando nem o Comité Olímpico Internacional o faz. Ainda há outro problema com a USADA – é se ela tem ou não jurisdição, ou seja competência ou poder, para abrir este processo contra Armstrong. Este argumento é anterior a todos os demais – antes de ver se é ou não culpado, se pode ou não abrir processo face a acontecimentos tão antigos, se a USADA deve ou não dar informação; é saber se a USADA pode sequer estar a abrir o procedimento. A UCI e a Federação de Ciclismo Norte-Americana dizem que não, a WADA põe-se do lado da USADA. Atenção, falamos sempre de entidades diferentes.
 A UCI argumenta que só ela poderia sancionar Lance Armstrong por uma longa série de motivos:
1. Foi a UCI que recolheu as amostras anti-doping que a USADA usa a seu favor;
2. As regras anti-doping da UCI determinavam que só a UCI poderia aplicar sanções até 13 de Agosto de 2004 e, portanto, todas as sanções só podem reportar-se ao período após esta data;
3. A UCI tem jurisdição exclusiva nos termos do Código do WADA; 4. A USADA tem jurisdição apenas quando descobre um controlo anti-doping positivo e não numa “conspiração” – o que inviabiliza as sanções aos não-desportistas. Por isso mesmo e por ter sido completamente posta de lado da investigação, a UCI reclama para si o poder de sancionar e abrir um procedimento contra Lance Armstrong. A USADA, por sua vez, simplesmente ignorou a UCI e baseia a sua jurisdição unicamente no artigo 15.3 do código do WADA, que estipula que quem “descobre” a violação por doping deve ter autoridade para sancionar. O problema é que na continuação do artigo refere que o processo segue as regras processuais do Organismo Anti-Dopagem que iniciou e comandou a recolha de amostras… o que não foi o caso da USADA. Contudo, a interpretação deste artigo é tudo menos pacífica. O que deixa particulares dores de cabeça é a USADA colocar-se como julgadora em provas fora do seu país.
Uma última questão é o facto de Lance Armstrong ter sido condenado com irradiação, quando o limite máximo da responsabilidade disciplinar é de quatro a cinco anos para ciclistas não-reincidentes, que se tenham dopado com circunstâncias agravantes. Este ponto é particularmente importante e tem sido relativamente descurado nas análises ao processo: é que a suspensão vitalícia feita em ciclista não reincidente só pode ocorrer por tráfico de substâncias dopantes, nos termos do artigo 10.3.2 do código do WADA.
Por tudo isto, o primeiro passo da defesa de Lance Armstrong foi de interpor uma providência cautelar num tribunal comum simplesmente para impedir a USADA de sequer prosseguir o procedimento disciplinar. Armstrong perdeu, não propriamente porque tinha ou não razão, mas porque o tribunal escusou-se a decidir algo cuja competência não era sua – remeteu para o TAS qualquer decisão relacionada com esta questão. Lavou as mãos, como Pilatos. Perdida a providência cautelar, a USADA “chantageou” Armstrong: ou aceitava ir para um procedimento de arbitragem – similar a um processo judicial mas recorrendo a árbitros, ou seja, extrajudicial; ou renunciava a esse procedimento de arbitragem e era de imediato suspenso, irradiado e os resultados retirados. Armstrong seguiu a segunda opção. III – E agora? Iniciado o procedimento pelo USADA, nos termos propostos por esta, a decisão caberia, num primeiro lugar, na AAA – Associação Americana de Arbitragem e posteriormente, em recurso, no TAS. Armstrong evitou ir a arbitragem, por um motivo simples: quis evitar o lavar de roupa suja e a enorme exposição mediática que o processo poderia ter. Ao expor-se a ir a arbitragem, acabaria por expor também perante a opinião pública todo o processo preparado pela USADA. Em mais de quinze anos de competição e mais de meio milhar de controlos, Armstrong nunca teve um controlo positivo, logo, toda a prova teria que partir somente de testemunhas, como Landis, Hamilton e alegadamente até George Hincapie.
Nas declarações hoje emitidas pelos seus advogados, acrescenta ainda o facto do processo de arbitragem não poder contar com elementos da UCI ou da Federação Americana de Ciclismo. Mesmo que a decisão fosse a favor de Armstrong, o que até é bastante provável, e mesmo tendo a possibilidade de recorrer, é notório que todo o processo iria ser moroso, sujo, pantanoso, caro e ruinoso para o ciclista norte-americano. Ao desistir do processo e aceitar perder tudo o que ganhou, Armstrong não está a dar um tiro na cabeça e a arrumar o assunto. Os primeiros interessados em querer evitar que o processo fique por aqui é a UCI. Há, em primeiro lugar, uma questão de honra a defender - a USADA basicamente afirmou que a UCI não é de confiança; é uma instituição corrupta, suja. Não é só uma questão de honra – é que a jurisdição do processo, o poder de promover o procedimento contra Armstrong, é provavelmente sua. Finalmente, tudo isto criou um patético desfecho: a revisão de milhares de resultados desportivos, com a consequência que muitas das vitórias de Armstrong iriam parar às mãos de… bom, ninguém sabe muito bem quem, visto que Jan Ullrich, Ivan Basso, Tyler Hamilton, Francisco Mancebo e muitos outros ciclistas efectivamente condenados por doping são os que se seguem na lista.
A UCI tem nas mãos a possibilidade de ver absolutamente deturpada e arrasada a história da sua modalidade na última década, por um organismo que dubiamente tem autoridade para o fazer. Não o vai deixar fazer isso. A pressionar a UCI está, obviamente, toda a gente, a começar por patrocinadores – horrorizados pelo passado, presente e futuro e a fugir a sete pés de um desporto amaldiçoado; as equipas – pasmadas com a possibilidade de fazerem épocas inteiras para nada; e, acima de tudo, ciclistas. É para estes que a decisão é particularmente gravosa e não se espante o leitor de ver partir dos ciclistas a maioria das críticas a esta decisão da USADA: é que Lance Armstrong perde anos e anos de vitórias sem um único controlo positivo mas ante quinhentos controlos negativos e num processo que, verdade seja dita, começou na confissão de Floyd Landis, alguém que tem, publicamente, uma vendetta pessoal contra Armstrong. Lance Armstrong não perde só vitórias, perde todos os prémios monetários ganhos até aqui. Qualquer ciclista, vendo abrir o precedente de perder a conta bancária e mérito desportivo sem um único controlo positivo, baseado em testemunhos de rivais de estrada, ficaria arrepiado. Acima de tudo há aqui uma enorme machadada na imagem do desporto, mas incrivelmente mais violenta que aconteceu com Landis, Contador ou até os casos Festina ou Puerto e um brutal descrédito no programa anti-doping da UCI. A UCI aguardou a comunicação – obrigatória – da USADA dos castigos e motivação dos mesmos e agirá, provavelmente no TAS, para aferir da legalidade da punição da USADA. Será aqui verdadeiramente decidida a causa e tudo o referido supra: a jurisdição, “fair play”, prova e possibilidade de punir até 1998 que a USADA sustenta ter. Como indica a carta aberta feita pelos advogados de Armstrong, estes esperam agora que seja a UCI a tomar conta do processo, a avocar competências e a julgar definitivamente o processo. A última frase da carta refere ainda, que no futuro, a USADA e os seus responsáveis não se livram de responsabilidade civil caso o procedimento disciplinar que abriram seja considerado fora das suas competências. Conclusão Em suma, o que se assistiu hoje não é o fim de uma história, um admitir de culpa de Armstrong ou sequer vamos a meio de um processo que se espera longo.
 Como o caro leitor compreendeu, trata-se de um procedimento nada simples, que navega pelo limbo da legalidade e que expõe, de uma forma clara, a confusão enorme que surge com o sobrepor de competências e arcaísmos dos códigos da UCI, WADA e USADA. Além do mais, emerge daqui a complicação que é encaixar dois sistemas judiciais um no outro: o europeu, que tem tribunais administrativos próprios para julgar este tipo de questões; e o norte americano, baseado no procedente, sem competências administrativas óbvias e que, apesar de muitas vezes parecer aos olhos da opinião pública como muito eficiente e bonito, pode se revelar particularmente complexo para aferir a verdade material. Já vimos os interesses que giram à volta da UCI – e quanto à USADA? É um organismo anti-dopagem transversal a todas as modalidades desportivas, logo indiferente ao ciclismo. A verdade é que Lance Armstrong é extremamente popular nos EUA e um alvo relativamente fácil face ao seu passado relativamente obscuro. A USADA viu aqui uma oportunidade única de fazer de Armstrong um exemplo, tenebroso, para o desporto norte-americano. O que se segue é, quase seguramente, um conflito no TAS entre a UCI e o USADA para aferir da competência desta de retirar todos os resultados desportivos de Armstrong desde 1998 – apesar da limitação temporal dos oito anos, apesar das dúvidas de jurisdição, apesar das dúvidas quanto à própria justiça do procedimento e, obviamente, das próprias dúvidas quanto a se Lance Armstrong, afinal, se dopou ou não.

Diogo Martins Advogado Licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

2 comentários:

Vieira disse...

Sem perceber nada de direito, sempre achei que isto ainda ia fazer correr muita tinta. Depois de ler este texto, não tenho dúvidas.

Cyro disse...

Boa tarde, Paulo
Parabéns pela publicação, de todas a que li ate agora essa é a que explica melhor tudo o que esta ocorrendo.Abraço.